#DAÍ A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR
“Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas” Álvaro de Campos/Fernando Pessoa
I
Definitivo. Esse é o título do meu romance. Aquele que eu demorei, mas terminei. Espero que gostem. Não tem volta, é definitivo agora. A assessoria de imprensa da editora já deve ter pipocado milhões de notas e meu rosto logo vai aparecer e todos vão saber. Sem preocupações amorosas e crises de choro vou relaxar e descansar a cútis, não sem antes resolver algumas pendências.
II
Em todos os processos de cura e recuperação, um dos passos é invariavelmente o perdão. Mais do que ser perdoado na vida, perdoar é essencial. E eu só entendi isso quando me doei. Per-doei. É um momento calmo, talvez o mais calmo da minha vida. Culpei o mundo pelas traições, mas sei que a culpa foi minha. Eu deixei de me preocupar comigo para viver como sombra e ninguém quer uma sombra além da que se tem. Perdoem a minha carência afetiva e emocional. Eu era frio e só ligava para aparências. Você era meu César, o poder, o Imperador. Grande demais para a minha pequenez. Meu amor foi o tributo pago. Não tenho mais dívidas com ninguém. Essas cartas eram para terem sido escritas há muito tempo. Hoje elad vão pelo correio.
III
Caio,
Sem maiores delongas e com a devida consideração que você nunca teve comigo eu venho através dessa carta, cafona como todas as cartas que falam de sentimentos, apenas despedir-me de ti com dignidade. Você foi muito importante quando eu precisava de motivação e desculpa, mas usei-te para encurtar a depressão que sentia. Desculpe-me por isso e por ter esperado tanto de você, por ter sido tão intenso. Cada um dá aquilo que pode e esse excesso que se caracterizou nossa relação foi culpa minha. Sou intenso sim e quando chegar à minha idade muitas outras coisas farão sentido, afinal, você vai entender que cada segundo tem e deve ser vivido como se fosse o último. Não te quero mais, mas quero que saiba que eu te amei muito, de um jeito especial e lhe desejo toda sorte na sua vida.
Gustavo
IV
Diogo,
Há tempos não nos falamos. Distanciamo-nos de uma maneira quase mortal e por tudo aquilo que vivemos juntos e construímos não pude com palavras descrever. Primeiramente não culpo você de nada. Você, talvez, só estava na hora errada com a pessoa certa. A culpa da situação ridícula foi minha, volto a repetir. Eu vivia no piloto automático emocional de futilidades e deixei de prestar atenção em você. Sinto sua falta e essa ausência se faz, agora, em palavras. Palavras , palavras, palavras... Para onde foram todas as nossas palavras ditas? E as não ditas? Construí um lindo castelo com elas e agora as paredes ruíram e as palavras não fazem mais sentido. Estou mudo, surdo e cheio de vergonha da minha vingança. Mas não me arrependo de nada e essa é a parte mais cruel de todas. Nosso amor apenas foi-se. Como essas palavras jogadas ao vento. Para onde foi tanto amor? Para onde foi todo ódio? Foram-se os sentimentos, ficaram as palavras. Escritas. Documentadas. O vento levou o que sentimos e eu preciso encontrar outras palavras para sobreviver. Fui conjugado em todas as pessoas e por todas eu peço perdão. A culpa foi minha. Eu nunca soube, ao certo, o que queria da vida e até hoje não sei. Sei o que não quero, mas tudo sempre muda nas direções dos meus desejos. Estou sozinho, carregando erros e acertos, cheio de cicatrizes, mas inteiro. Como nunca estive. Agora imploro seu perdão e sigo com a minha vida comum.
Gustavo
V
O grupo de voluntários que faço parte agora cuida de um orfanato. Fiz a minha primeira visita, emocionado. Nunca me senti tão feliz de tudo que tinha na vida. Jurei para cada criança voltar com ajuda e vou cumprir. Solicito a todos ajuda. Roupas, brinquedos, material de escola, tudo vale. O orfanato ainda oferece vários cursos e aceita voluntários. Tem gente que vai lá cortar cabelo, contar estória, tocar música, qualquer ajuda é de grande valia.
VI
O apartamento continua a venda e eu continuo procurando o meu quintal com céu estrelado. Nada tem me agradado. Ou são casas maravilhosas e gigantescas ou são tão horrorosas que eu nem entro para não atrair coisa ruim.
VII
Diogo me procurou, bem bêbado. Dizendo que depois que leu minha carta não conseguiu parar de chorar e não sabe até agora porque me abandonou. Dizendo-me tudo que eu queria escutar quando estava com fome, mas agora estou saciado e as palavras dele foram músicas que me fizeram ver que valeu a pena cada dor, cada choro, que ele sentiu tudo. Arrepender-se é importante. Havia me trocado por um cara que transou com metade da academia, inclusive comigo. Isso eu deixei bem claro. Foi minha última vingança. Ele estava arrasado, mas seu coração nunca foi sincero. Pediu que fôssemos ao menos amigos. Consolei-o, fiz um café forte e depois tomei um banho de sal grosso.
VIII
Depois de tudo que aconteceu seria ridículo voltar para o Diogo como se nada tivesse acontecido, assim como seria insano ficar de novo com o Caio. Não estou cuspindo no prato que comi, nem estou me achando a última bolacha do pacote, apenas não os quero mais, perdi o encanto. Não teria cabimento. Parece que o tal final feliz ficará apenas para a ficção Agora só me interessa encontrar uma casa para o Lucky. O vizinho do alaúde, hoje, está inspirado e eu nem um pouco.
IX
Meses depois do miosótis, Diogo resolveu retribuir e enviou-me um arranjo de narcisos. Como eu procuro a simbologia de tudo que me cerca, quis saber se as flores tinham algum significado especial ou era um recado indireto para minha pessoa. A história do Narciso era triste. Apaixonou-se por sua imagem e afogou-se no rio, onde às suas margens nasceu narciso. Espero que ele não esteja me chamando de orgulhoso por não aceitá-lo de volta. Não sou narcisista. Estou apenas no meu momento, é diferente. Quisesse me mandar um presente, mandasse uma safira, que simboliza o azul dos céus para onde eu quero voar.
X
Achei uma casa. Uma casa não, uma chácara. Mas perto da cidade. Tem piscina, pomar, horta, galinheiro e muito mais do que o quintal que eu Lucky queríamos. O casal que mora lá não vê a hora de vender. Querem o conforto da cidade e ficar longe dos mosquitos. Eu só quero paz. Para que um apartamento de três quartos? Para que duas salas de jantar? Para que tanta coisa? No entanto, tem gente interessada no meu apartamento, mas um em especial, Diogo. Talvez por ter planejado toda a reforma e saber valorizar o material usado ou talvez por alguma lembrança afetiva do lugar, que hoje, tem cheiro de cachorro. Eu não tenho lembrança nenhuma.
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