quarta-feira

# UM


ERA UMA VEZ

“O segredo do amor é maior do que o segredo da morte.” Oscar Wilde

I
            Gostaria de escrever um livro para te afrontar. Mas já escrevi tantos romances nunca publicados que resolvi, eu mesmo, publicar por você. E principalmente por mim. Para reduzir você a um personagem ruim por quem meus leitores criem uma trágica antipatia. Esse blog é dedicado a você, meu herói e meu vilão, para espantar meus demônios e quem sabe te fazer sofrer um pouco a dor que me causou. Quando eu queria escrever, você com toda sua erudição vivia a me criticar. Repetindo que eu apenas queria a vida boa dos escritores e que ficaria sentado esperando meu best seller chegar. Dizendo que eu deveria escrever mesmo que nunca venha a ser publicado e tudo o mais que você adorava jogar na minha cara. Pois só agora eu descobri que nunca conseguiria escrever ao seu lado, por medo, por críticas. Agora que o pior aconteceu escrever tornou-se tão necessário que vou seguir seus conselhos. Vou escrever, mesmo que nunca venha a ser publicado. Vou ser como o vizinho chato do andar de cima que toca um instrumento indecifrável por horas a fio, todos os dias. Terei a obstinação desse músico que em busca da melodia perfeita se debruça com afinco em seu instrumento. Vou escrever muito. Graças a você, a partir de hoje quero transformar toda dor em palavra, toda palavra em sentimento e todo sentimento em redenção. Tudo isso é por você. Por ter me abandonado quando havia jurado ser para sempre. Por ter simplesmente sumido da minha vida, sem maiores explicações. Vou lhe dizer como terminar um relacionamento de uma maneira decente, principalmente depois de seis anos. Esse blog é para você, querido Diogo, que me deixou através de um recado na caixa postal do celular e que me trocou por um personal trainer de origem duvidosa, detalhe que fiquei sabendo por acaso, por amigos em comum.


II
Como terminar um relacionamento de maneira politicamente correta e sustentável

Em uma análise mais fria da questão. Pessoas são como objetos. E objetos, como sabemos, quebram, passam da data de validade ou deixam de ser importantes. Pessoas, então, muitas vezes precisam de reciclagem, é a lei natural da vida. Mas, devido à imensa falta de educação no cenário político, social e televisivo, sinto-me no dever de elucidar (ou seria melhor refletir) sobre esse assunto, tão oportuno, que chega ao cúmulo de tornar-se uma grosseria e olha que não estamos falando de ônibus lotados e nem de furar a fila do banco.
            No entanto, vale reparar que o mundo anda mesmo muito mal educado. Dos políticos que fazem o que querem com a nossa cara, até a nós mesmos, que jogamos lixo pela janela do carro ou usamos mais do triplo de água necessário por dia. Como ninguém respeita mais ninguém mesmo, tudo vai se nivelando, infelizmente, para baixo.
            Relacionamentos são sempre complicados. E singulares. Cada caso é um caso, mas, no geral tem muitas coisas que nos aproximam uma das outras. Todos queremos ser amados, respeitados e merecedores de tal afinidade. Todo mundo sabe que comer de boca aberta é feio, mas nem todos têm esse mesmo discernimento quando o assunto é dar um pé na bunda. Não que esse seja o assunto mais fácil de se lidar, mas também não é um bicho de sete cabeças. Reuni um pequeno compilado de dicas que fariam do mundo um lugar melhor para se viver. Vamos lá?
  • Nunca termine um relacionamento às vésperas de um fim de semana, feriados prolongados ou datas comemorativas. Isso, além de deselegante, é cruel, principalmente para quem vai sofrer. A não ser que você queira fugir do presente, desaconselho totalmente.
  • Se o indivíduo que vai ser abandonado sofre de depressão, toma tarja preta, tem tendências suicidas, procure o psiquiatra da pessoa e peça instruções detalhadas. Mas cá entre nós, uma pessoa tão fodida assim vai ter alguém ainda?
  • Evite terminar o relacionamento quando a pessoa estiver alcoolizada ou drogada. Se a pessoa usa crack, nem pensar. Evite também a hora da ressaca. Melhor esperar o começo da noite antes que os efeitos especiais tenham chegado.
  • Nunca termine um relacionamento através de bilhetes, e-mails ou recados. O ser humano merece o mínimo de consideração.
  • Em hipótese alguma, use uma outra pessoa para terminar o relacionamento por você. Muito menos seus empregados. Sei de muitas histórias parecidas e sei o resultado horroroso para ambas as partes.
  • Ninguém é obrigado a ficar por ninguém. Muito menos por dó. Se essa é a sua resolução seja rápido, sincero e discreto. Dê todas as explicações e deixe claro que acabou.
  • Em último caso, invente uma boa desculpa. Escreva num papel e leia até decorar. Sei lá, inventa que virou evangélico ou que vai se mudar para uma comunidade Hare Krishna. Eu desistiria na hora. Ou, melhor: diga que entrou para Cruz Vermelha e vai pro Iraque.
  • Se a pessoa em questão é histérica, termine em lugares públicos. Mas se ela for mesmo muito histérica, invente uma doença, vá a um hospital, dê a notícia e peça ajuda especializada.
  • Se tiver amigos solteiros que um dia demonstraram interesse pelo ser abandonado, não seja ruim. Faça o cupido. Uma vez deu certo.
  • Algumas pessoas (muitas) são bem materialistas. Então, já que pelo menos por uns tempos você vai acabar com a vida alheia, seja generoso e compre um presente antes da fatídica notícia. Valem flores, livros de auto ajuda e até diamantes. Aliás, diamantes seriam perfeitos.
  • Se há bens envolvidos o melhor a fazer é procurar um bom advogado, desde que a outra pessoa seja avisada e não receba a notícia do especialista em direito de família que você contratou.
  • Depois de terminar, evite aparecer em público com outra pessoa, mesmo que essa pessoa tenha sido a causa do fim do relacionamento e já tenha um tempo de estrada. Três meses ou mais. Aprenda com as celebridades. Elas casam e descasam num piscar de olhos, mas sempre enrolam quando o assunto é um novo amor. É aquela história de apenas bons amigos...
  • Com amigos em comum vale a imparcialidade. No fundo, você sabe quem são seus amigos, mas você sempre pode surpreender-se. Melhor evitar detalhes. Também não vale contar aos amigos a intenção de separação, o assunto sempre vaza e vai por mim, melhor saber por quem você ama do que por outra pessoa.
  • E jamais desapareça. Isso é o mais alto grau de covardia que alguém pode ter para com o outro.
Brincadeiras à parte, cada um reage de uma maneira. Uns vão pro Twitter avisar a novidade como se fossem conhecidos a esse ponto, uns mudam a opção do status do perfil, uns choram, outros correm atrás do que perderam e muitos bebem. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, nessa hora.  A dor passa cada vez mais a fazer parte da sua vida e a partir daí entramos numa fase bem especial: a dor de cotovelo. Mas esse é assunto para o meu próximo post.

III
O RECADO NA CAIXA POSTAL

Gustavo, estou tentando falar com você. Não volto para casa hoje. Nem amanhã. Peguei minhas coisas e arrumei outro lugar. Não me liga, não. Não, agora. Fica com Deus! Diogo

IV
O RETWEET

RT @gugoanfion: E você, fica com o diabo! Como eu te odeioooo!


V
SONHETO III
Por Deus, eu te juro
Tinha certeza de que éramos feitos um para o outro.
Rima pobre de música ruim
Composição de iniciante
Nada nesse mundo ia nos separar.
Se Deus está vivo, agora, deve estar gargalhando da minha cara.
Assim também o faço agora.
Deus, Oh Deus!
Seu inferno é esse seu amor infinito.
Assim como é meu inferno. Mas se Deus está morto, esse infortúnio
É apenas uma calamidade.
Talvez uma fatalidade ligada ao aquecimento global.
Eu matei Deus em mim para adorar a um único senhor.
E agora, Senhor, Por que tu me abandonaste?
Não, sinto você aqui sofrendo comigo.


VI

E quer saber? Odeio esse seu estilo preppy, sempre tão arrumado, tão Lacoste com xadrez. Pra que tantos brasões? Quem você pensa que é? Você passou da idade de usar essas pólos ridículas, meu amor. Ah, mas com esse michê que você arrumou deve estar cada vez mais cafona. Mais que você sempre foi nessa elegância fake. No more preppies in my life! E aguarde, querido, um post sobre como se vestir depois dos 50, especial para você.

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