quarta-feira

# DOIS


#O CHÃO É O LIMITE

“O que mais me impressiona nos fracos, é que eles precisam humilhar os outros, para se sentirem fortes...” Ghandi




I
A dor de ser abandonado é, sem dúvida alguma, a pior que eu já havia experimentado. Dor de canal dói, fratura exposta dói, tatuagem dói. Mas as dores não diagnosticadas nem exames de mais alta precisão são ainda inexplicáveis do ponto de vista físico. Experiências com ratos e macacos mostram-se ainda vagas e ineficazes nas explicações de perdas. Fui abandonado diversas e repetidas vezes. Logo cedo por minha mãe, um pouco mais tarde por um irmão que sucumbiu a uma grave doença, vovó que desapareceu entre outras tantas perdas não tão significativas. Sucessivamente perdendo como no poema da Bishop que eu tanto amo. E de abandono eu entendo, modéstia à parte e graças à literatura fui salvo uma vez. Escrevendo esqueci os inúmeros abusos físicos e psicológicos que meu corpo sofreu desde que me entendo por gente. Pobre menino rico, muitas pensariam, mas pouco me importa. Estou com todas as minhas cicatrizes abertas, expostas e purulentas diante de você e de quem mais quer que seja. Vou explodir uma a uma como bomba. Freudianamente falando estudei todos os traumas e os que me escaparam fizeram-me maior e melhor. Mexo e remexo minhas feridas em buscas de respostas que nunca me foram dadas. Mas respostas, que cada vez mais acredito, são só minhas. Quem procura o autor perdeu seu tempo. Aqui me torno pessoa física e assumo para mim todos os riscos. E que venham eles montados em escorpiões, serpentes e dragões. Estou preparado para todos eles. Isso você me ensinou. O que você não matou em mim, me fez mais forte!

II
SONHETO V
Esmurrei as paredes por dias.
Transferi uma dor para outra.
Enganei a dor, mas meus dedos ficaram inchados.
Senti que uma boa parte dos golpes era para você.
A outra era para mim.
Preferi esmurrar a parede para não fazer em você.
Senti-me mais leve.
Mas a dor dos ossos me impediu de escrever por uns dias.
Veja você o qual idiota eu sou.
Feri meu instrumento de vingança por você.
E valeu a pena?

Escrevo a mão porque gosto de ver o desenho de cada palavra que preenche o papel.
Não sou poeta, sou indigno dessa denominação.
Sou e sempre serei amador.
Transformo apenas os suspiros em verbo e faço da minha dor a matéria de onde tiro o meu sustento.
Como um padeiro.
Não sou alegre, não sou triste, não sou poeta.
Sou vazio e busco em partes de mim entender o todo.


III
Como sobreviver a um pé na bunda e ainda continuar vivo

            Levar um fora é péssimo, não há como negar. Mas há sim como sair dessa situação com o mínimo de dignidade e ainda um pouco de paz. Não que exista uma fórmula perfeita, mas bons conselhos podem ser úteis em momentos desesperadores como esse. Lembre-se não é o fim do mundo, não ainda. Às vezes, dá até para reverter à situação. Mas não garanto nada, cada história é uma história.           
            A dor de cotovelo pode muitas vezes ser confundida com depressão. É que não raramente elas caminham juntas, mas é preciso diferenciar uma da outra. Depressão requer ajuda médica, a outra, bem, a outra, também. No entanto, pequenas atitudes podem transformar você e quem sabe ajudam a superar essa fase.
* Auto estima é a palavra chave nesse momento. Tudo relacionado a esse tópico deve ser testado e de preferência todos ao mesmo tempo. Corte o cabelo, compre uma roupa nova, troque o carro... Vale tudo, porém descontrolando-se nesse tópico você pode arrumar um problema maior. Melhor usar moderação, mas tudo para você. Você foi abandonado e merece o mundo. Pelo menos, nesses primeiros dias.
* Por pior que esteja seu estado emocional, saia de casa. Mesmo que seja para ter uma crise de choro na gôndola de tomates do supermercado. É parte do processo.
* Esconda facas, objetos cortantes e tesouras. Principalmente nos primeiros dias.
* Não beba desinfetante. Além de não matar, deixa um gosto péssimo na boca.
* Evite descontar a frustração em bebida, comida e drogas. As contra indicações são óbvias e levam a depressão grave. Melhor começar uma dieta e aproveitar a falta de apetite e secar uns quilos. Nada mal, hein?
* Disse para não descontar na bebida, mas aceite todos os convites para happy hour e baladas que você receber. Depois de um tempo casado você precisa urgentemente atualizar-se no mercado que muda muito rápido.
* E para esses momentos, nada melhor que um amigo. Daqueles que nos entendem com um olhar, que tem paciência para nos ouvir e saco para nos aturar nessa delicadeza de estado. Pena que amigos não estão à venda em lojas, caro amigo Saint-Exupery. Ninguém patenteou sua idéia ainda.
* Por mais doloroso que seja, procure conhecer pessoas novas. Relacione-se sem medo e sem compromisso, só para afogar as mágoas. Quem sabe numa dessas você não se encanta novamente?
* Evite músicas depressivas, filmes de amor e até novelas. Entre para uma academia e passe lá o máximo de tempo que você conseguir. Ou procure livros de auto ajuda, embora falte literatura, sobra esperança e é exatamente isso que você precisa nesse momento. Melhorando, esqueça esses livros, por favor!
* Terapias alternativas, psicanálise e macumba também podem funcionar em alguns casos. Não custa tentar, não é mesmo?
* Viaje, mas evite lugares românticos. Saia para jantar, mas sempre com amigos. E não vá a casamentos, chá de cozinha e bodas de ouro. Invente uma desculpa. Todos entenderão.
* Arrumar um hobby também é uma opção bem divertida. Pode ser jardinagem, pintura ou até um trabalho social. Ocupar a cabeça é a melhor forma de esquecer. Uma boa idéia é criar um blog para acabar com a reputação de algum infeliz. Ou invista no trabalho social.
* Mas quando a dor vier, não a reprima. Chore mesmo. Onde quer que seja. As pessoas se chocam com essas demonstrações inesperadas de sentimentos e você pode surpreender-se. Esses dias na fila do banco até o segurança veio me trazer água. Achei elegante da parte dele e uma cena patética a minha, mas vale à pena. Guardar os sentimentos não pode. Vira câncer.

IV

Minha alma vagueia por tantos mundos. Flutua por sobre abismos feito alma penada. Assim sou eu me arrastando pelas ruas, me perdendo em flashs de noites de festas vazias. Apesar da leveza carrego a dor e o peso das coisas não feitas e das que ficaram pelo caminho sem eu me importar. Não sou luz, não sou som. Estou sempre à espera de algo maior que talvez nunca venha a chegar. Assim sou eu andando em círculos. Sou um grito abafado, um choro sofrido. Sou uma explosão de equívocos que nunca vai desistir de tentar. Minha cara maquiada esconde meus verdadeiros segredos e por medo, me calo diante das tuas acusações. Assumo sempre toda culpa. Quero ser livre, mas tantos mundos me convidam a sonhar. Deixo meu mundo e aprisono o que tenho de mais sagrado por uma vã felicidade que tarda a chegar. Mas tenho minhas pílulas para dormir, minha salvação. Mudo minha alma de lugar todas às vezes por todos vocês e não ganho nada com isso. Em constante movimento, sonho com minha terra perdida, que permanece intocável, meu Shangri-lá, entre araucárias e lembranças de tudo que um dia importou. Estará sempre lá quando eu estarei aqui. Distantes e separados por pedras nunca, nunca será como foi naquele dia e no outro, Segundos, minutos, horas se passaram. Nada ficou no lugar e minha alma dividida espera cada Lua Cheia para te ter aqui. Por um segundo que baste. Para lembrar da única vez em que fui feliz na vida. E disso eu realmente tenho medo de esquecer. Muitas coisas já me fogem da memória, esqueci sua voz. Esqueço-me das coisas boas. Do seu sorriso. Um dia, não sei ao certo que dia foi esse, eu fui feliz. Fui feliz porque não formulava perguntas, não me importava com as respostas. Tinha todas na ponta da língua e vivia cada dia como se fosse o Último. E um dia foi. Hoje me faltam todas as respostas, mas tenho que seguir. Propus-me a fazer isso e vou até o fim. Até onde isso pode chegar? Não sei. O mundo só existe porque eu quero que ele exista.

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