quarta-feira

# TRÊS


#DESIDRATAÇÃO EMOCIONAL

“Da traição nem Deus se livrou". Frase de pára-choque de caminhão

I
Desde pequenos criamos fantasias quando nos perguntam o que queremos ser quando crescermos. A grande maioria viaja: astronautas, cientistas, bailarinas, presidentes da República... Eu sempre quis ser escritor, mesmo sem saber ao certo o que fazia um escritor. Nunca me imaginei médico ou advogado. E sempre escrevi: lições, cartas, redações, poemas. Ganhei concursos, publiquei em coletâneas, diziam que eu seria um fenômeno. Publiquei um livro de poesias idiotas que eu paguei edição por edição. Publiquei meu primeiro romance por uma grande editora depois de longa data. O livro teve uma vendável razoável e me gerou muita mídia. Ganhei muitos prêmios e um deles foi você.  Já por pressão, vaidade e imaturidade fracassei em meu segundo romance. Pensava só em você e esqueci-me do que tinha que fazer.  Fui bombardeado pela crítica, mas consolado por seus braços. O terceiro romance eu nem cheguei a terminar. Está lá gaveta até hoje, sem título, feito um cão sem dono e sem rabo. Não conseguia mais escrever ao seu lado. Você me fez acreditar na realidade de novo e a ficção me parecia distante e fútil. Você me acomodou, com seus beijos, seu dinheiro e seu charme. E por mais que você negue, você sempre tentou apagar o meu brilhei. E o pior é que eu deixei. Mas agora te digo: nem você, nem ninguém jamais apagarão minha a estrela.




II

Por que você não cortou meus pulsos quando eu te implorei? Porque você não me matou de uma vez? Agora é tarde. Estou aqui, diante de você e de todos, sem pseudônimos para usar de muleta. Estou aqui para cortar meus pulsos diante de você. Transformar todo esse sofrimento em palavra e toda essa dor em poesia. E isso tudo, ainda tendo que escutar o vizinho tocar “Carinhoso’ por repetidas vezes. #depressao


III
SONHETO IV
Tenho trauma dos livros.
Alguns me fizeram tão mal que nunca me recuperei.
Livros marcam a gente para sempre.
Livros são frios.
Livros, não são como eu falando agora.
Livros são editados, recusados, modificados, corrigidos, revisados, traduzidos.
Livros envelhecem e cheiram mal.
O que eu escrevo tem o frescor e a liberdade da brisa no mar.
Autores distanciam-se demais, se desfocam para fugirem, mas estão lá, apesar de tudo.
Pelo menos isso, temos em comum.
Livros são caros.
Livro são elitistas.
Ninguém devolve livros emprestados.
Livro amassa.
Livros foram queimados.
Livros matam milhares de árvore.
Livros não vão a lugar nenhum.
Não quero ficar preso em um livro para sempre.

IV

Não posso ser injusto. Você me amou sim. Amou-me muito mais quando eu era belo e era alguém interessante. Mas foi deixando de me amar aos poucos, sem que eu percebesse. Sem que eu me tocasse. Você me amou, mas não até o fim. Precisava ter me amado quando eu menos merecia porque era exatamente quando eu mais precisava. A culpa foi minha, eu sei. E sei que humilhação não é levar o pé na bunda, é merecê-lo. Li isso atrás da porta do banheiro masculino e acho cada vez mais que mereci cada dor, cada lágrima, cada pensamento. Você era meu herói e me protegeu do mundo, obrigado! Você tentou esconder as coisas feias do mundo para que eu vivesse nosso lindo sonho colorido. Mas você abandonou o barco. Em alto mar. Deixou-me só, nu e com os dedos doendo. Meus olhos estão cansados e sua expressão no porta retrato mudou de fisionomia. Cansado de escrever e de buscar as palavras certas para você tomei algumas pílulas mágicas que vem em caixas de tarja preta e relaxei. Amanhã acordarei melhor. Assim, espero.


V

Sonhei com um anjo. Loiro e lindo. O sonho era meio estranho, mas me lembrei de alguns detalhes. Ele disse que era para voltar a escrever porque tinha muita gente precisando de conforto no mundo.


VI

Quem sou eu para confortar alguém no mundo? Logo eu?


VII

O dito momento em que você decide esquecer alguém quase nunca coincide com o exato momento em que você quer esquecer. Tanto amor, tantas palavras, tantos momentos de quase harmonia não podem ser relegados ao limbo das memórias afetivas confusas. Eu mesmo custo a querer esquecer certos detalhes. Seu sorriso de canto de boca, suas covinhas, seu cheiro depois do banho. Esses aromas simplesmente me enlouquecem e nessas horas eu desisto de te odiar e feito adolescente volto acreditar em conto de fadas. Veja você a minha idade mental. Mas sonho que um dia tudo vai voltar a ser normal. Ou até melhor. Você deixou um pé de meia perdido. Confesso que por dias dormi agarrado a sua meia usada. Depois eu acho que a Maria colocou para lavar não consigo mais encontrar. Ainda esqueço e compro seus pãezinhos torrados. Esses dias eu montei a mesa para dois e só me toquei quando já estava terminando. Estávamos tão distantes assim? Nunca saberei. Enfim, resolvi te esquecer, mas como disse antes, há um longo caminho entre o querer e o poder. Um dia, eu aprendo.


VIII

E nunca, nunca, Diogo, vai ser como foi naquele dia e no outro. Nunca mais. Muita água rolou e nem você e nem eu somos os mesmos. Dizem que o tempo cura tudo, mas acho que o tempo só afasta e separa cada vez nós mesmos. O destino, o destino, a vida, é tudo muito sacana. E o Tempo, cruel!

2 comentários:

  1. Tiago, Gustavo... suas palavras fazem as nossas próprias, sumirem...
    Quero te dizer que vc me consolou e, de quebra, ainda me fez sorrir e achar graça do que ainda está tão recente...
    Super bj, saúde, sucesso e paz.
    Carla
    PS: e não pare de escreve, pleeaaseeee.... :)

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