quarta-feira

# QUATRO


TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada)

“Continuo a pensar que quando tudo parece sem saída, sempre se pode cantar. Por essa razão escrevo.” Caio Fernando Abreu

I
Tudo aconteceu faz um mês. Minha ficha começou a cair de uns dias para cá. Ausentei-me para tecer meu luto. Percebi que tudo tinha acabado no dia em que eu vi sua foto na coluna social com seu novo amor. Caiu a minha ficha e a minha resistência. Abri meu corpo para todos os tipos de infecções possíveis e caí de cama. Daqui escrevo e só levanto para postar. Acho um absurdo eu estar aqui sofrendo enquanto você desfila pelos salões bem acompanhado. Realmente ele é muito bonito. Muito gostoso. Muito gato. Ponto para você e até um consolo para mim por ter sido trocado por alguém tão belo. Pior seria se fosse o contrário. Você sempre teve bom gosto. Ele é belo e eu um fingidor que finge a dor que sinto e não deveras.


II
SONHETO VI

Perdas são como pedras.
Duras, pesadas, mas necessárias.
A perda chega a ser como a alegria quando você se acostuma.
Perdas pesam no bolso e na alma
Perdi tantas coisas.
Perdi chão.
Perdi a fé nas pessoas.
Perdi a fé em mim.
Deus parece uma criatura distante e apavorante.
Perdi minha mãe, amigos verdadeiros e uma cidade.
Mas me lembro o quão é irrisória a minha dor perto da dor de quem perde tudo.
Meu mundo desabou, soterrou e foi levado por uma enxurrada.
Perdi tudo.
Perdi você e a mim.
E assim me acostumando cada vez mais perco a pouca lucidez que ainda me resta.
E deixo pedras pelo caminho para quem sabe encontrar o caminho de volta.


III

Houve um lugar distante onde dores e alegrias eram mascaradas. Vivi seis anos nessa floresta encantada com todos os tipos encantadores de conto de fadas. Apareceu-me um dia um cavaleiro, em sonho, dizendo que havia vida além dos limites daquela floresta. Imaturo e vaidoso fugi dessa floresta atrás de um tesouro. Feito Parsifal.


IV

Só me lembro que era domingo. Acordei tarde, não estava com apetite ou ânimo algum. Com a casa em total desordem só conseguia pensar em furacões e tornados enquanto o vizinho arranhava Bach em seu instrumento esdrúxulo. Bach! Aquela música foi me levando a um transe quase religioso. Tomei um comprimido. Dois, Meia cartela e Bach continuava lá. Tinha sede e não havia um copo limpo. Encontrei cervejas na geladeira e tomei na lata mesmo. Duas. Ou três, não lembro. Pra fugir de Bach fui pro videokê. Dopado, infeliz e caindo. Logo eu apaguei. Acordei no chão mais angustiado e transtornado. Quebrei todos os pratos, xícaras e copos. Rasguei as cortinas. Me bati, me arranhei, me queimei com cigarro, chorei, esperneei e senti que aquela era mesmo a pior fase do luto. Grogue, liguei para a emergência e me fiz passar por um vizinho e pela primeira vez pedi ajuda.  A ajuda demorou. Perdi a noção do tempo, só sabia que era domingo, ainda. Deixei que me levassem. Estava tonto, mas não deixei de reparar em um dos enfermeiros. Me escorrei nele, claro, ensangüentado, querendo abraçá-lo descemos a escada do prédio. Precisava de alguém naquele momento e o cara estava de bom tamanho. Aliás, ótimo.

V

Todos conhecem o estado da saúde no Brasil. Mas mesmo em se tratando de saúde particular estamos bem longe do ideal. Tirando alguns desocupados quem procura um hospital está realmente sofrendo. Senão ficava em casa, não é mesmo? Além da frieza das atendentes, te fazem esperar horas e insistem em deixar a TV ligada nos piores programas, era domingo. Quando me chamaram já não agüentava mais. Fui com a cara do clínico geral que me atendeu. Mas não pensem mal, não estava a fim dele, apenas senti algo bom. Sensível e dopado comecei a contar tudo. Nunca tinha me abrindo dessa maneira, falei de abuso sexual, abandono, morte, dor mostrou meus ferimentos e chorei. E por mais incrível que pareça fiz o médico chorar. Talvez por ter se reconhecido na minha dor, talvez por cansaço ou tédio, talvez por estar sentindo o que eu sentia. Senti-o como um anjo. Ele me indicou um psiquiatra e um centro espírita e me deu duas escolhas: passar a noite no hospital ou tomar um ‘sossega leão’ e ir para casa. Escolhi a segunda opção e fui levado à sala de medicação. Lá tive uma crise de riso vendo tanta gente sofrer de verdade. Disfarcei o riso com um choro ainda mais canastrão. Vi a dor real e fugi dali correndo.


VI

Nove horas depois da medicação que deveria me derrubar estou aqui. A desgraçada da enfermeira me deu tudo menos um calmante. Se eu não estivesse tão mole, iria ao hospital agora e dava na cara dela.


VII


Amanhã ou me mato de vez ou começo uma nova vida, Amanhã, porque agora mal consigo manter os olhos abertos e vou escrever merda, bem sei. Amanhã...


VIII

Acordei na segunda. Resolvi lhe mandar flores. Escolhi Miosótis, um ramalhete bem grande. Deu trabalho encontrar. Queria ter mandado mesmo uma coroa de flores, o florista recusou-se. Ok, seria demais. Em inglês, miosótis é chamado de forget-me-not e, diz a lenda que um jovem amante afogou-se num rio para colher essas flores para sua amada. Escrevi um cartão sucinto e humilhante: “Forget-me-not because I can’t forget you!” Mais cafona, impossível.

Um comentário:

  1. Expor sua dor fisica é emocional aqui, mesmo com a intenção de se vingar deste "cafa", te enobrece e nos enternece, diante do quão profundo pode ser a dor da perda... Vc a viveu intensamente. Isto tb significa que irá renascer intensamente (se já não o fez) :)

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