# EPÍLOGO

Meu vizinho do 31, pasmem, é o Fernando, que vem a ser o cara da sopa, que vem a ser o cara do alaúde que por sua vez, vem a ser o bofe da livraria. Nunca imaginei que aquelas notas sofridas vinham daquele rapaz que estava ali o tempo todo, bem diante dos meus olhos. Lucky estava salvo e dormindo no tapete dele. Nunca imaginei que ao invés de sair pelas ruas ele fosse subir as escadas, coisa que ele não gostava de fazer. Talvez ele quisesse se despedir ou perdeu-se diante de tantas portas iguais. Mas por que escolheu bem aquela porta? E quem era aquele homem, amante de música medieval e caridade que estava me servindo um café? Mais perguntas. Tomamos café e olho no olho, relatei minha aventura e pedi sinceras desculpas. Desculpas por todos esses anos, pelas reclamações, pela falta de paciência e principalmente por nunca ter cruzado com ele pelos corredores. Estávamos o tempo todo a poucos metros e nunca havíamos nos notado até o bendito dia da sopa. Mas ele estava lá, desde o primeiro post, talvez me esperando. O Graal sempre está bem perto. Envergonhado engoli o café e quando pensava em como fugir ele colocou as mãos sobre as minhas pernas. Falou que gostava muito dos meus livros e que sempre quis me conhecer de verdade. Todo tempo que demorou para nos encontrarmos e passou um segundo que pareceu eterno. Olho no olho, eu não resisti. E como todos os bons romances, eu termino esse com um longo e merecido beijo na boca, clichê que todos esperam com a morte. Aceitando aquela boca eu aceitei muito mais e agora eu estou pronto. Enquanto Lucky dormia, nós dois, longes do ‘felizes para sempre’, nos conhecemos mutuamente. Gostaria de terminar essa história na casa nova com direito a pirotecnia e álcool, mas termino essa história no mesmo lugar em que ela começou. Só que eu mudei o ângulo de visão. Não há grandes surpresas, nem histórias mirabolantes de reencarnação. No fundo, o Destino deve estar rindo da minha cara. E afinal, para que servem os romances mesmo? Terei de escrever outros para descobrir.