quarta-feira

# CINCO


#DA DEPRESSÃO À EREÇÃO

“Amar aos outros é a única salvação individual que eu conheço. Ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca” Clarice Lispector

I

Sempre odiei psicólogos, psicanalistas e psiquiatras. Tão cheios de teorias, experimentos e verdades. Sempre com as respostas para tudo na ponta da língua. Isso me irrita profundamente. Quem tem resposta para tudo na vida? Dos terapeutas, então, eu fujo. Principalmente dos holísticos. Já me deixaram duas horas tomando uma luz azul que achei que viraria um Avatar. Mas depois do episódio do pronto socorro, buscar ajuda era inevitável. Pensei em procurar um dos melhores profissionais da área, mas achei que seria chato e massante demais. Pensei em alguém em começo de carreira, mas logo desisti de ser cobaia. Resolvi enlouquecer mais ainda e procurei o menos convencional dos psiquiatras, o mais polêmico e desbocado que nem cara de psiquiatra tinha. Depois de uma luta pra arrumar um horário que se encaixasse nas minhas horas de sono e de novela cheguei ao consultório. De tanto repetir minha história já estava bem fácil e montei um resumo da minha vida começando pelos traumas freudianos da infância, passando pelas dúvidas junguianas e chegando enfim às questões existenciais. Queria parecer sabido e não uma dessas pessoas tristes e desesperadas que lotam os consultórios. Para o meu espanto, o único desesperado ali era eu. Chorei muito, coisa que não tem sido nada difícil. Lembro-me apenas de duas coisas que ele disse: que eu não me envergonhasse da minha dor porque embora não estivesse morrendo minha alma vomitava sangue e que além de medicação era bom eu procurar um centro kardecista. Será que os centros estão dando comissões aos médicos ou será que a Medicina já não consegue mais resolver problemas como o meu?

II

Deus faz milagres, mas alguns remédios têm esse poder. Minhas novas pílulas, top de linha, já estão fazendo efeito e sinto pelo menos desejo de vingança. Para quem queria morrer, já é um grande avanço. Vou me vingar de você, sim, Diogo. Da pior maneira. Ficando lindo, sendo o mais legal, aparecendo em todos os lugares para te deixar morrendo de ódio de ter me abandonado.  Convoquei Maria para uma operação de guerra. Doei todos os móveis ridículos que você me fez comprar. Troquei alguns móveis de lugar. Comprei uma cama nova, bem dura, como eu gostava. Pintei umas paredes, espalhei sal grosso pelos cantos da casa, troquei as fechaduras da portas e ressuscitei do mundo dos mortos. Hoje eu serei feliz!


III

Acordei. E quando digo isso me refiro ao sentido metafórico da coisa. Olhei-me no espelho todo arranhado e comecei meu plano de vingança. Be cool. Cabeleireiro, esteticista, dermatologista, pedicure e tudo o mais que coubesse naquela longa terça feira. Fiz até peeling. E procurei uma academia, claro. Todo vermelho e coberto dos pés à cabeça. Escolhi o personal trainer a dedo e recolhi-me para a fase da descamação, dignamente trancado em casa.


IV
O Destino, segunda a Mitologia, é filho da Noite e do Caos. Para resumir a história, um deus cego que tinha o globo terrestre debaixo dos pés e urnas nas mãos para encerrar a sorte dos mortais. Destino! Destino de aceitar o convite do Gui para uma balada. Destino de estar tão sexy. Destino de encontrar uma pessoa dentro do banheiro que mexe com a minha cabeça e minha imaginação. Merda de destino outra vez, naquele banheiro. Por acidente, destino ou coincidência nos encontramos naquele maldito banheiro. Ele deve ter 19 anos e os olhos mais verdes que eu já havia possuído. Eu ia sair, ele me empurrou e os detalhes já não importam mais Senti o gosto da cerveja e da desilusão. Pedi o telefone dele. Ainda se faz isso? Ele pediu o meu, marcou em seu super celular e não me deu o dele. E o destino, rindo de mim, me deu outro porre, desta vez, chamado Caio,

V

Sempre me achei ansioso, mas não tinha noção da minha neurose colegial até encontrar aquele garoto. Amando loucamente alguém que eu acabei de conhecer. Descambando novamente ladeira abaixo para aquele velho poemão ridículo e cheio de equívocos e decepções. Denunciando minha impaciência e meu imediatismo. Procurei o psiquiatra, precisava, além das pílulas mágicas, pílulas para dormir à noite. Caos e noite, pais do maldito destino. Já começo a perceber a minha culpa no processo, mas estou cansado demais. Não gosto que inventem nada sobre mim. Perdi a noção da realidade, mais uma vez. Logo eu que nunca fui popular, estava revivendo a época do colégio, amigo do menino mais fofo. Ai que meigo...


VI

Ele não me ligou. Passou um dia. Dois. Três. Uma semana. Dez dias. Aconteceu um terremoto seguido de tsunami no Japão e nada dele querer saber como eu estava me sentindo. Nada. Depois de 15 dias, ele ligou. Foi vago, falou de monte de coisa e me chamou para uma rave. Topei e apavorado liguei para Gabi, o que usar em uma rave?

VII

O que usar em uma rave sem parecer ridículo

Todo mundo, com exceção da minha vó, já ouviu falar de uma rave. Mas a própria denominação já é por demais confusa. Melhor nem comentar. Sou da era da discoteca, até meio dark, vocês podem achar.  Mas a idéia de começar uma balada que começa a ‘pegar’ depois das sete da manhã é no mínimo curioso. Com ajuda da Gabi, quase uma celebridade das raves e uma boa dose de Vogue consegui até encontrar algumas preciosidades para encarar com estilo e dignidade essa noite. Não engano minha idade, mas também não a revelo, assim, te cara. A quem ela interessa além de mim? Bem, vamos as dicas:
  • Cores fluorescentes são obrigatórias nesses eventos. Mas depois dos 30 anos não dá mesmo. Como tudo, do cenário aos participantes vai para esse tom, aposte em um preto. E arrase nos acessórios.
  • Óculos de sol e balada nunca combinaram. Essa é a única exceção. Aliás, obrigação.
  • Fique longe da galera que cospe fogo e faz malabarismo. Eles são irritantes.
  • Use botas, de preferência militares. Outro tipo de calçado é fria.
  • Nem todo mundo se droga. Mas sendo sincero, tem muita gente doida nesse meio. Fuja das eufóricas, das suadas e das que juram que te amam. Em raves as depressivas são as melhores companhias.
  • Parece deselegante o que eu vou dizer, mas tem gente que vai concordar. Leve comida. Uma barra de cereais que seja. Raves parecem nunca terminar.
  • Ao menor sinal da polícia desapareça feito Jeanne. Ou se estiver bem doidão camufle-se na paisagem.
  • O som das raves é muito chato e é o mesmo bate estaca a noite toda. Seja fina, carregue seu I-Pod com bate cabelo e arrase.
  • E não esqueça, desodorante, perfume e Listerine na bolsa. E já que está equipado, uma boa escova de cabelo.
  • Se alguém ousar de chamar de tio chame o segurança na hora e fala que tem menor vendendo droga na balada.
  • Fuja de todas as fotos que puder. Ninguém, nem mesmo a Gisele fica bela no auge da balada.
  • E tire pelo menos um dia inteiro de folga. Para se recuperar. Com whisky e nada mais, afinal, você merece. Eu não segui quase nenhuma dessas dicas, vesti uma bata indiana e fui vestido de Woodstock. Esse foi meu dress-code.


VII

Da rave lembro de pouca coisa. Flashs de um filme. Take um: nós na pista. Take dois: eu no bar. Take três: Caio e Kaká, meu amigo no banheiro. Take quatro: Ele me deixando em casa e dizendo o clássico: “Eu te ligo!”


IX
SONHETO VII
Jurei jamais amar outra pessoa.
Jurei jamais magoar um amor.
Jurei mentiras e verdades enquanto acreditava-me seguro em seus braços.
Também chorei ao seu lado.
Minto bem, mas já não conseguido controlar as emoções.
Mas deixarei de senti-las.
Por hora, apenas lamento.
Nunca agi com malícia.
Nunca instiguei diretamente.
Apenas fui atrás do que sempre me faltou
Deixei de me comportar.
Desejei e fui desejado.
Minha boca foi a alegria de muitos enquanto minha mente só queria vingança
Para te magoar enfiei bem lá no fundo, sufocando-me.
Sujo. Obscuro. Bizarro.
Foram tantos.
Até a minha culpa cristã não suportar mais e começarem as visões.
Eram os sonhetos.

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