quarta-feira

# SETE


#O SERMÃO DA MONTANHA

“Bem aventurados os que choram porque eles serão consolados.” Sermão da Montanha
I
Decidi viajar sozinho. Fazia tempo que estava sozinho na selva da cidade, mas não embarcava realmente sozinho em uma viagem assim. Diogo e eu em Veneza é a última lembrança boa que eu tenho de uma viagem. Dizem que a felicidade é tão difícil de se alcançar porque ela é tão simples assim. Encontrar um Caminho do Meio entre a civilização e eu. Que mal poderia haver em 15 dias de total isolamento do mundo e talvez um encontro comigo mesmo, de brinde. Ou talvez eu precisasse me perder na estrada para achar o caminho de volta. Nuca havia subido a serra sozinho e só o trajeto já seria uma aventura. Bons pneus, GPS e só. No carro coloquei o CD da Tiê, parecia apropriado. Deixar a cidade para trás e ainda garantir conexão a Internet full time foi emocionante.E curtir uns dias de frio, nas montanhas, era tudo que eu queria, mesmo que desacompanhado. Precisava de novos ares. Estava cansado da vida tediosa e resolvi voltar a escrever. Retomar o romance inacabado. O terceiro filho, abortado após o fracasso do segundo livro. Entalado na garganta e na gaveta. Antidepressivos, calmantes, velhas anotações e CDs. Além do outono. Tudo que eu precisava depois de tanto choro. Era o que me esperava.

II
SONHETO II

Queria ser artista.
Artistas sofrem demais e por tanta sensibilidade tudo lhe é permitido.
Roubar, matar e amar.
Artistas são malditos por terem a carne rasgada a todo tempo.
Queria arrancar a minha orelha e te mandar.
Aliás, as duas.
Uma para cada um.
Feito Van Gogh.
Artistas são misteriosos e sábios
Artistas são idiotas e narcisistas. Artistas acreditam no amor.
Artistas enlouquecem cedo e nunca tem vergonha de serem ridículos.
Artistas vivem de aplausos.
Queria ter a sensibilidade de um Mozart, mas sou rude.
Queria ter a sacanagem de um Dalí, só me fodo.
Queria ter a loucura de um Artaud, mas me falta ar.
Malditos!
Artistas sofrem, mas são eternos.
Queria ser eterno.
Mas sabia que apenas alguns sentimentos, poderiam ser.
Eu não era.

III

Os dias em Monte Verde eram calmos demais. Sem inspiração, tentei desenrolar uma história que eu havia começado a escrever cinco anos atrás, sem sair do lugar. Como agora. Entre aquela natureza exuberante, hortênsias e pinheiros eu só pensava no que eu mais precisava esquecer. Resolvi não forçar a barra e encarar a subida de uma pedra, a Partida. Uma vista muito recomendada. Partido, também, calcei sapatos e comecei a subir. Logo no começo percebi que não seria fácil. Se nos primeiros metros eu já estava ofegante imagine na metade do caminho. Pensei em desistir várias vezes, mas com cada um que eu cruzava eu tinha mais força para subir.  O coração chegou a bater na boca. Parei num mirante natural e acendi um cigarro. Mais uma das minhas contradições. Perto do topo o esforço já não era tão grande e eu fui acalmando. A ansiedade deu lugar ao cansaço físico e a adrenalina entorpeceu minha mente. Lembrei que o silêncio era uma prece. Fiquei ali, por quase duas horas, rezando.


IV

Meu Deus, o que é isso que eu sinto? E perdoe-me tomar seu santo nome em vão tantas vezes, mas não tenho mais a quem recorrer e diante de toda essa grandeza, quero fazer as pazes contigo. Perdoe essa adolescência que nunca terminou. Perdoe os hormônios e a rebeldia de querer ser como você, um Criador. Mas há criação em mim, eu sinto. Ela será refletida quando eu acalmar minhas águas turbulentas. Estou realmente me abrindo com o Senhor. Preciso de uma luz. Preciso de um caminho. Uma idéia. Uma inspiração. Para escrever e viver. Daqui de cima tudo parece tão pequeno que me arrisco a perdoar. Peço perdão a todos e vou atrás dele.


V

Caio me ligou três vezes e o Kaká também. Não atendi nenhum deles. Aliás, não atenderei ninguém. E irritado com a cara de pau dos dois eu comecei a desenvolver uma idéia. Rabisquei muito papel. Muita coisa sem sentido. Ainda. Não jogo nada fora. Copio, guardo e colo. Psicografei sentimentos no computador e cansado do teclado do laptop eu recorrei a um velho bloco de notas, onde começou esse romance inacabado. Meu telefone funciona aqui. Mas não quero atender ninguém. Esse é meu momento. A hora em que encontro minha sombra e a abraço. Palavras, palavras e mais palavras. Como sempre. Mas para onde essas me levarão dessa vez?


VI

O mais complicado desse ostracismo voluntário foi ter escolhido um dos destinos mais românticos do país para pensar na vida. Tudo vai bem, muito bem, mas é casal para lá e casal para cá. Casais novos, outros nem tanto, gays, lésbicas, heteros, gordos, magros, todos organizados em pares. Apesar de destoar da paisagem, eu estava bem. E bem com quem mais importa: eu. Mas mesmo assim, coisas simples como sair para jantar tornam-se um verdadeiro tormento nesse mar de casais. Depois têm os olhares, os comentários... não importa. Ensaiei vários movimentos e depois de um vinho eu encarei a rua. Sozinho. Escolhi um barzinho agitado e pedi chope para começar.

VII

Tinha um matuto de olho em mim.  No começo fiquei com um certo medo, mas depois percebi que ele era até bonitinho. Estávamos tão embriagados que nada seria empecilho para apagar aquele fogo. Não conheci absolutamente ninguém naquele lugar e sai para tomar um ar. Ele queria mostrar seu galo. Topei. E ele abriu a Brasília bege e tirou um galo de lá de dentro. Fiquei mais bege que o carro. Ele colocou o galo no banco de trás e me pôs na frente daquele carro que cheirava cavalo. Não sabia o que era bebedeira, real, sonho ou pesadelo naquela noite. Saí daquele carro como se estivesse sido estuprado. Fora estuprado por dentro e tal como todas as vítimas de um estupro sabia que minha vida mudaria para sempre. Se para bem ou para mal só o Tempo iria dizer.

VIII

Encontrei o fio da meada. Depois de cinco anos percebi que estava errado, por pura teimosia e arrogância. A história estava pronta o tempo todo, diante de mim e eu nunca consegui enxergar. Entre um pensamento e outro, com cigarros sempre acesos, eu reescrevi a história toda. Aquele rústico tinha invadindo minha intimidade e eu produzi muito nos últimos dias da viagem. Fiz as malas e com o peito apertado voltei para a vida real.

IX

 O desgraçado do vizinho acha que é o dono da garagem. Fiz oito manobras para conseguir entrar na minha vaga. Além de encher o saco com aquele instrumento bizarro, o cara não sabe estacionar. Pensei em chutar o carro. Depois pensei em deixar um bilhete. Depois pensei em chamar o síndico. Depois desisti de tudo, aquele infeliz devia ter uma vida miserável... Queria só chegar em casa.


X

Vários recados. Tantas desculpas, muita culpa, cara de pau à vontade e uma ligação importante. Roberto, meu ex editor querendo publicar o blog. Jamais permitiria tamanha invasão. Algo tão pessoal assim não valeria dinheiro no mundo. Por mais reality que isso possa parecer é meu. Mas topei um encontro para discutirmos um outro projeto.

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