#DE VOLTA À FICÇÃO
"Quando os escritores morrem, eles se transformam nos seus livros. O que, pensando bem, não deixa de ser uma forma interessante de reencarnação." Jorge Luis Borges
I
Sem pestanejar e sem renegar tudo que eu havia escrito aqui só pude ser sincero e rápido. Olho no olho. Não dava. Não dava para ter alguém que faz eisnbein sem ao menos perguntar se o convidado gosta. Não dá assim tão rápido. Sofri demais sabia que ele não era meu final feliz e deixei isso bem claro. Ele chorou, eu chorei. Ele pediu chances e eu também. Só que para mim. Klaus era um amor de pessoa, tínhamos a mesma idade, embora ele se vestisse como um velho de tão clássico, mas ele não era o cara. Se é que isso existe. A sobremesa que eu escolhi foi ambrosia, o néctar dos deuses do Olimpo, aos quais conferia a invulnerabilidade aos deuses. Achei bem sarcástica minha escolha, mas só me liguei bem depois. Mas e quanto a nós mortais?
II
AMBROSIA
Ingredientes:
9 ovos bem fresquinhos
pedaços de canela a gosto
Modo de preparo:
Coloque o leite com o açúcar e a canela no tacho e mexa para dissolver o açúcar, levando ao fogo por meia hora sempre mexendo para não grudar.
Bata as claras em neve e, quando estiverem firmes, junte as gemas e bata até ficar homogêneo. Vire os ovos batidos por cima do leite e quando começar a subir, abaixe o fogo e deixe por 20 minutos. Corte em pedaços grandes e deixe ferver por mais 10 minutos. Vire os pedaços com uma escumadeira e deixe por mais 20 minutos. Em seguida, corte os pedaços grandes em pedaços pequenos, sempre em fogo baixo. Estes pedaços pequenos irão ficar cozinhando em fogo mínimo por aproximadamente mais 1 hora e meia, mexendo de vez em quando para não desmanchar os pedaços e também raspando o fundo e as bordas do tacho para não grudar. Depois de pronto, coloque em compoteiras e sirva gelado.
III
Arrumei um companheiro. Só que esse não vai me abandonar. Esse vai ser fiel. Tive que pagar caro por ele, mas compensou cada centavo. Um labrador retriever lindo de pouco mais de um mês. Não tivemos dúvidas quando nos vimos. Foi amor a primeira vista. Seu nome é Lucky. Sorte em inglês. Toda vez que eu chamar meu cachorro eu também vou chamar a sorte.
IV
Enquanto Roberto, lindo e solteiro, insiste querer publicar esse blog que eu nem imagino que final terá, Lucky destrói tudo que encontra pela frente e eu sigo escrevendo meu terceiro romance Os dias seguem calmos e chego ao final deles tão cansado que, às vezes, até esqueço-me das pílulas. Durmo mal, mas durmo. Pensando tanto na ficção eu nem sei como terminar essa história aqui.
V
Mandei uma parte do romance pro Roberto ler. Quem sabe ele não me dá um pouco de sossego. Criando histórias que nunca existiram ou que quase existiram eu disfarço tudo que eu quero da minha pessoa. Tenho escrito muito. Estou com os dedos cansados. Preciso de folga, mas não posso deixar de lado essa súbita inspiração. Queria tomar uma cerveja, mas tem os remédios. Queria fazer tanta coisa, mas tenho que levar Lucky na pracinha três vezes ao dia e isso tem me irritado mais. Ele destruiu os pés do sofá, comeu pedaços do tapete, picou livros e revistas. Mas é para ele que tenho vivido. Good Lucky, bom menino!
VI
SONHETO IX
O caminho nem sempre é fácil.
As pedras estão por toda parte.
Embora algumas flores teimem em aparecer.
Florescem e murcham, mas existem em suas efemeridades.
Escrever é um caminho de pedras e flores.
Não se sabe aonde vai chegar.
Mas é preciso andar em frente.
Assim como é preciso escrever.
Sobre as pedras e flores do caminho.
Não se pode parar.
Paradas estão as pedras.
E murchas estarão as flores, um dia.
O movimento é que determina a ação do verbo.
E o verbo se faz existir a partir da pedra ou da flor.
Passo a passo.
Palavra por palavra.
O que importa é o trajeto.
As pedras estão por toda parte.
Embora algumas flores teimem em aparecer.
Florescem e murcham, mas existem em suas efemeridades.
Escrever é um caminho de pedras e flores.
Não se sabe aonde vai chegar.
Mas é preciso andar em frente.
Assim como é preciso escrever.
Sobre as pedras e flores do caminho.
Não se pode parar.
Paradas estão as pedras.
E murchas estarão as flores, um dia.
O movimento é que determina a ação do verbo.
E o verbo se faz existir a partir da pedra ou da flor.
Passo a passo.
Palavra por palavra.
O que importa é o trajeto.
VII
Faxina geral. Coloquei tudo para fora dos armários. Desapego é a palavra. Peças incríveis que eu nem me lembrava, calças, chapéus, livros, móveis, tanta tralha. Na hora eu vi que meu apartamento todo precisava ir para a doação. Incluindo eu e o imóvel. Cansei desse apartamento fantástico de três quartos que eu nunca uso. Cansei dessa vizinhança. Vou colocar o apartamento à venda. Eu e Lucky precisamos de um quintal antes que eu enlouqueça de novo. Quando eu entro na idéia da historia Lucky insiste em defecar. Ele já sabe até o que fazer. Pega a coleira com a boca e fica me trazendo. Impossível romancear assim.
VIII
Separei sacos e mais sacos de roupas para doar para Maria, minha funcionária. Ela agradeceu, mas disse que não conhecia ninguém que podia usar aquelas roupas tão finas. Mas pediu para levar no centro que ela freqüenta. Falou que eles faziam um bazar anual, coisa do tipo. Entre roupas minhas, do Diogo, do Fábio e de tantos outros que passaram por aqui se somaram seis sacos. Era demais para a coitada levar, ainda mais para caridade. Por caridade me ofereci para levá-las. Ela disse que só aceitaria se eu fosse um dia com ela, assistir uma palestra, que tem toda quarta-feira. Tipo amanhã...
IX
Terminei meu terceiro romance. Esse demorou, mas deu-me uma satisfação em dobro. Demorou mais de cinco anos para sair do papel e para ele voltar. Esse romance, diferente dos outros, não depende de aceitação. Era algo prioritário e inacabado. Agora é imprimir e passar a noite corrigindo para passar o dia re-corrigindo no computador. Enquanto imprimia, acendi um charuto. Foi um parto e com todas as dores a que tive direito.
X
Maria pediu para tomar banho. Não queria ir desleixada no centro jamais. Estava tão emocionada com as doações que nem se cabia em si. Imagina a moral dela lá chegando com quilos de grifes caras, como se isso importasse para eles. Confesso que estava tenso desde o dia anterior. Não gostava da intimidade, mas Maria era a pessoa que mais convivia comigo e vivíamos em mundos diferentes que poucas vezes se cruzavam. Aquele era um daqueles momentos. Ela estava aflita, olhava toda hora pro celular. Estava esperando uma ligação de alguém que não ligava. Aí ela se abriu e disse que queria morrer quando os caras prometiam e não ligavam. Igual a mim. Diferentes mas da mesma matéria viva. Chegamos ao centro. Ela levou alegria e eu, encontrei amparo.
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